domingo, 23 de setembro de 2007

LABIRINTO DO CLÓVIS


Jornal do Brasil – Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1979.
Caderno B – Cartas – “A crise permanente”






A CRISE PERMANENTE

De Pedra de Guaratiba, ao Beaubourg, amplia-se o reconhecimento público do marginal personagem carnavalesco, na comunicação "O Clóvis vem aí". Hoje, animado com o espaço democrático das Cartas, escrevo lendo a coluna crítica de Roberto Pontual (de 3/2/79).
Em minha última aparição no JORNAL DO BRASIL, capitulei o Manifesto do Naturalismo Integral com a frase feita: “Visite a Amazônia antes que ela acabe”. Lembro que o autor desse manifesto é o mesmo que, ao final do Governo Médici, registrou na Revista Veja a natureza toxicômana e homossexual da marginalia artística no Brasil. Arrivista, ignorou taticamente o caráter social do problema, depois de ter lançado entre nós mecanicista “arte sociológica”, própria para arquivos de aço inoxidável.
Paralelamente ao visual do artista universal, da Amazônia, lança “manifesto” chamando atenção “para o momento em que a crise das ideologias corresponde à crise das linguagens plásticas". Com o choque elétrico, que enche os manicômios pagos pelo INPS, fica em cima do muro e recria o espaço neutro e metafísico da intelectualidade desprevenida. Usa, como Joseph Kozuth, da impunidade mágica do "marfim" , nas artes. Propõe o conhecido retorno ao paraíso. Como Gauguin? No vácuo relativo de sua política “ambiental”, cai a “ordem econômica” interessada na vampiragem “chauvinista” dessa região. Daí, o desastre ecológico.
Batendo palmas ingenuamente, escreve objetivamente o crítico do JORNAL DO BRASIL, ressaltando subjetivamente o pioneirismo desse manifesto. Assinala e acentua a “marca” internacional da ação-manifesto, do oportunista crítico de status, Pierre Restany, que detém os mecanismos do circuito das artes. A alegada “crise atual” das ideologias e linguagens plásticas é velha companheira da História Geral – Goya, na “fase negra”, dos desastres da guerra; Van Gogh, com cartas a Theo; Picasso, com a arte do Terceiro Mundo; Pollock, com seu suicídio gestual; Hooper, com sua “visionária” da realidade norte-americana. Por aí vai, e pelo visto a crise é permanente, fruto da trajetória dialética do homem sobre nossa aldeia global.
Pontual, atento para os espaços cada vez maiores da “ação artística”, divulga a participação de Restany nas “jornadas interdisciplinares sobre arte corporal”. Essa iniciativa foi organizada na Sul-América, pelo Centro de Arte y Comunicacion (CAYC) de Buenos Aires, que também estará no Centre National d’Art et Culture Georges Pompidou, para esse encontro internacional. Nosso crítico chama atenção também para outros eventos interligados e globalizantes da Europa e Bienal de Sidney (Austrália), tudo no corrente mês de fevereiro. Aqui, teremos “corporais” interessantes. Duro como estou e palhaço das perdidas ilusões, sem carnaval, não podendo atender aos convites enviados pelo “onipresente” Jorge Glusberg (CAYC), lamento minha ausência e a falta de meios para dar prosseguimento à idéia de vídeo-tape sobre a performance psicossocial do Clóvis.
Aproveito para agradecer a José Roberto Aguilar e ao grupo argentino, pela lembrança. Registro o trabalho que venho realizando com a teleimagem, no Rio, a partir da imagem fílmica do super-8 " O Clóvis vem aí–em Memória dos Prazeres ". Breve terei esse material televivido , aguardando novas oportunidades. Agora, com “uma câmara na mão e uma idéia na cabeça” me aproprio do tema em questão para documentá-lo em 16mm e 35mm. Sou autor do panfleto anônimo “anunciador” da chegada dos desconhecidos mascarados ( Rio , 76 ). Embora levando-o ao domínio público, a “apropriação” me pertence. Luiz Rosemberg, Sebastião França, Leon Hirschman foram alguns cineastas amigos contatados para a produção ou realização do projeto cinematográfico a partir da "anunciação". Com Ramon Alvarado, documentarista e produtor, apresentei a proposta na última concorrência pública da Funarte . Não foi possível . Escrevendo esta carta , aguardo resposta da Embrafilme e com meu sócio tento solução para esse curta-metragem, sem fechar pra ninguém . Aos cineastas que atraídos pelo sucesso saem correndo à procura de idéias que estão no ar, aviso que o passarinho tem dono.

Aloysio Zaluar – Rio de Janeiro






Jornal do Brasil – Rio de Janeiro, 9 de junho de 1979.
Caderno B – Cartas – “Grand-Finale”



GRAND-FINALE

No serviço do JORNAL DO BRASIL , dicas de super-8 foram reveladas pelo crítico Carlos Fonseca ( 5/5/78 ). Em 1978 me interessei pelo assunto; registrei os Clóvis. Sou lento, mas com o uso de palavras mágicas me transformo subitamente.“O Clóvis é um cetim amarrotado” (JB, 24/2/77). Fantasia "fechada", brincadeira que esconde quem está por dentro. Conheço o meio. Revelo aos leitores algumas observações sacadas rapidamente.

Participei da última concorrência pública para documentários, realizada pela Funarte. Os especialistas não mostraram interesse, ao contrário dos cineastas que absorveram o personagem. Estranhei a negação para o projeto e a escolha de Fantasia, de Suzana Serezo, que participou da mesma concorrência. Naturalmente estranhei a proposta de "contrato de contra - tipagem" sobre "Clóvis", feita a Embrafilme por essa documentarista. Hoje, sem grilos competitivos, aceito o fato verdadeiro. Piratões. Cultura é isso, as idéias que circulam livremente sem controles personalistas. A “apropriação”, método de trabalho e linguagem plástica conhecida, toma seu rumo normal mostrando as idiossincrasias individuais do momento.

Conversando com Fernando Ferreira, na Divisão de Filmes Culturais da Embrafilme, no início do ano, fiz notar a falta de apoio real para bitolas mais acessíveis e para a valorização de ensaios cinematográficos fora do circuito estabelecido. Defendo meu trabalho em super-8: O Clóvis vem aí, Documento Nativista (1ª parte) , Documento Naturalista (2ª parte) , Filme Dialético ( 3 parte ) . O filme é de duas horas de projeção , realizado com recursos próprios. Em Memória dos Prazeres faço iniciação no setor e entro pela porta da frente. Que Deus me proteja. Agora , engraçado mesmo é a Funarte não ter projeto que atenda essa finalidade . Creio que a “seção” de cinema da Funarte deveria ter características próprias . Deveria usar o leque mais aberto . Deveria sistematizar o uso do super-8 , e adquirir - preservando cópias de filmes já realizados na “arena” experimental das artes plásticas . Exemplo : Triunfo Hermético, de Ruben Gerchman . Lembro- me , no entanto , que os destaques exclusivistas ocasionais , no setor , caminham em sentido contrário ao processo de industrialização do material . Contradições . Todo poder aos artistas .

Esse papo descontínuo acompanhava a montagem da exposição “Mitos e Magia” na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Programado para abril esse evento até agora não se realizou. Talvez interrompido pelo “Mistério dos Negativos”. Novamente o Clóvis esbarra com a parede institucional.Somos nós, pobres homens ricos, ou ricos homens pobres ? Corda Bamba. Aconselho o uso de inseticidas para não ficarmos entregues ao baratão do pecado original. Vamos ou não ocupar as salas de projeção e entrar no circuito interno de televisão das universidades ? O enigma da maçã é mais um causo para o Sub-homem , herói maniqueísta do pedaço . Tem a palavra o leitor.

Criativo, aproveito e anuncio aqui a Baloarte, cultura paralela da memória coletiva. Iconografia brasileira. Com Alegorias, deixo claro que abro mão de narcisismos intelectuais castradores. O que vem primeiro , o ovo ou a galinha ? Restaurar divisões tupiniquins de academismos e modernismos não interessa. Longe , a relação de Oswaldo Teixeira e Cândido Portinari deixou marcas profundas . Dá samba .Dá livro . Claro , tratada historicamente , sem os imediatismos comuns do setor. Levo o discurso para a criatividade popular. O que vem a ser criatividade? Qual a relação da cultura erudita com a linguagem metafórica que estou usando aqui ? Tem a palavra a Escolinha de Arte do Brasil .

Paulo Campos, Newton Sá, Lídio Bandeira, Jacinto de Thormes e Albino Pinheiro devem estar lembrados da festa Formas e Cores, dos calouros da Belas-Artes (Rio, 56). Essa festa marcou o “ritual de passagem” do setor, com a performance de artistas, professores, estudantes e sambistas (Portela?) -Mangueira- pelos salões da desaparecida boate Monte Carlo . Memória viva da cidade . Fantasmas . Lembramos os Banhos de Ilusão grandiloquentes da Beija-Flor de Nilópolis . O fracasso alienado das pretensões acadêmico-modernosas põe em evidência dois grandes artistas : Joãozinho Trinta e Vera Figueiredo. Olha aí , gente boa , o negócio é dar a volta por cima . Raízes . A escola de Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona deixou o caminho livre para interpretações . E agora? A nossa “velha malandragem” me fez ver a importância desses artistas no cenário multicolorido das escolas de samba. Fui aluno de Pamplona , arte decorativa , na antiga Escola Nacional de Belas-Artes . Novamente cito Zumbi dos Palmares . Arrepiando , com o espetáculo em volta, lamento a falta de registros críticos. O caminho natural desses artistas é a Associação de Artistas Plásticos Profissionais . Vamos nessa .

Dialeticamente tratando meu enredo-roteiro traçado, livre de dogmas acadêmicos e livre de dogmas modernos, insisto, para quem interessar possa – história e documentação podemos encontrar misturados por aí. Detalhes. Traço da fragmentação visual de 3° grau. Quem são aqueles que fazem duros bonecos balançando ? Mau gosto ? Grandes personagens : Castro Alves , Gramiro de Mattos , Augusto dos Anjos , Ferreira Gullar , Armando Freitas Filho , Lélia Coelho Frota . Quem colocou pingüim na geladeira ? Saudemos então o criativo do artista anônimo e a liberdade na criatividade .

Escrevendo, aproveito para botar o bloco na rua, foco o brilho no espelho geral narcisista. Comunicador intercontinental da persona, acompanho o culto dos antepassados no ritual dos Eguns (Itaparica/Bahia/África). Seguido por parentes, mascarados que visitam os conhecidos, observo verdades psicossociais esquecidas. Irmanado com o clown, crio o grand-finale na avenida. Já pensaram? Índios correndo perseguidos pelos portugueses com suas espadas fatais, negros escravos trazendo o abre-alas “piramidal”, destaques respeitosos do figurinista Clovis Bornay e do rei do bate-bola, o querido Pelé de corpo presente, as alas do Flamengo, Botafogo, Fluminense, Vasco da Gama, América, Campo Grande, Olaria, Bonsucesso, Bangu, Volta Redonda, ADN Niterói e Americanos de Campos dançando no pé; a bateria marcando no bumbo a letra evocando símbolos, marcas e logotipos de nossa sociedade; as “alegorias” do Super-homem lindo de morrer, da Bola chutada para cima e uma incrível caravela 1980 em papier-marché. Tudo isso com muita mulher nua, diabões, morcegos, caveiras, burrinhas, travestis, cabeções, carrascos, batmans, gorilas, frankensteins, mickeys e monstros criando a base de resistência do banquete.

Falo sério. Talvez assim consiga financiamento para o filme épico, de 35mm, que pretendo realizar. Sou um gênio. Saudações “paranóicas” à contagem regressiva do século XXI. Ponto final.

Aloysio Zaluar, Rio de Janeiro.













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JORNAL DE HOJE – Caderno de Domingo

Rio de Janeiro – Domingo, 16 de julho de 1978.
Matéria de página inteira do suplemento dominical



ARTES VISUAIS – VICENTE DE PERCIA
“TRAJETÓRIA DOS CLÓVIS


Nascido em Engenho de Dentro em 1937, sempre ligado a manifestações populares, o interesse voltado para assinalar uma cultura brasileira, presente em toda sua dedicação como artista plástico, Aloysio Zaluar, manteve-se ligado à espontaneidade do carnaval. A descoberta dos Clóvis foi uma conseqüência dessa temática, que determinou algo mais específico que as inúmeras individualizações e traços pertinentes da festa de Momo.
O surgimento dos Clovis deu-se gradativamente, obedecendo a uma cadeia de exercícios e de investidas em vários setores da arte. O que são os Clóvis? Espelham a comunidade, seus anseios, suas problemáticas. Seus atos são variados, agressivos, dóceis, não tem identidade nem sexo, podem ser crianças, velhos, mulheres, homens, representam o bem e o mal. Suas roupas repletas de lantejoulas, com diferentes adornos, ou mesmo, com o colorido improvisado dos trapos, mostram um traçado comum que se torna mais coeso no bailado improvisado e rítmico de jogar com os braços, pernas, enfim com o próprio corpo. Ao contrário das grandes Escolas de Samba, encampadas pelo turismo, desfilando sob os aplausos dos “foliões” pagantes na avenida e assunto geral durante três dias de carnaval, os Clóvis invadem as ruas, as casa, impondo uma maneira condizente com o elemento de determinadas regiões, carentes de recursos urbanos tais como água encanada meios de transportes, escolas, divertimentos, e por esses motivos encontram moradias baratas.


Em 1964, Aloysio Zaluar, registra o carnaval de rua, desenhava e pintava o que lhe convinha; solto, sem maiores elaborações, o ímpeto de traçar a grande festa, usá-la visualmente, ativando seu trabalho e assegurando uma tônica dentro de certa particularidade.
A partir de 1966 a preocupação ainda com a pintura e o desenho, ambos voltados para assinalar elementos isolados que compõem o carnal. Sobre este período nos fala José Paulo Moreira da Fonseca no convite de apresentação da Galeria Goeldi – 25 de agosto de 1966, rio de Janeiro: “As obras que Aloysio Zaluar expõe na Galeria Goeldi se situam na fronteira entre o desenho e a pintura. Nenhuma delas se reduz à estrutura simples que constitui o desenho puro, ao contrário, se armam num jogo (com freqüência violento) entre a luz e a sombra, ou se tecem através de uma riquíssima matéria-cor, resultado do uso sutil de técnicas mistas: lápis oleosos, tintas fluidas, etc... dois dominadores comuns a unificam: são antes de tudo um testemunho emocional e focalizam a mesma temática – o carnaval e a música popular brasileira.
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Essa exposição vem provar como o tema brasileiro permite ao artista autêntico a criação de algo de fato novo, é novo porque nasce de uma experiência íntima e não do desejo de estar em dia com as últimas conquistas da Escola de Paris, Tóquio ou Nova Iorque”.


Em 1967, elaborou três desenhos, intitulados: “Macunaíma pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são!”, “Pouca saúde e muitos pintores, os males do Brasil são!” e “Muiraquitã”. Um ano depois, após receber “isenção de júri” do Salão Nacional de Arte Moderna, decide abandonar o esquema competitivo. Essa tomada de posição em relação ao circuito de arte já podia ser prevista e observada nos trabalhos anteriores. Em 1973, morando em Pedra de Guaratiba, passa a ter visão mais analítica sobre os Clóvis, apalpa as relações diretas da comunidade e estabelece suas determinações; o pensamento voltado para ambigüidade da cultura popular: autônoma e eternamente dependente ou vinculada à cultura dominante, irreverente e submissa, contestatória e diferente. Entre as inúmeras chamadas que teve, cita uma quarta-feira de cinzas, dirigindo-se a Santa Clara, zona rural do Rio de Janeiro.
_ No ônibus que tomei, reparei que só havia um banco, indagando ao trocador, recebi como resposta: foram os Clóvis.
O anonimato garante para os Clóvis mais brincadeiras esquecendo suas identidades sociais rotineiras e seu compromisso para com a sociedade.
A antropóloga Alba Maria Zaluar comenta: “Não são mais pretos, brancos, mulheres, homens, velhos, moços, são apenas Clóvis. De indivíduos passam a ser a representação coletiva. De persona moral ou civil passam a personagem de ritual coletivo. E quem é esse personagem? Ele se monta na dissimulação, no encobrir a verdadeira intimidade de pessoa que veste a fantasia. A dissimulação também está presente na voz – uma voz estridente e esganiçada – tanto quanto na fala: o Clóvis sempre procura confundir o interlocutor. Jogo tanto mais difícil, quanto mais próximo for esse interlocutor”.
Em 1974 lança um personagem AL-ZALU do potentado de AZURARA.
_ AL-ZALU representa uma afirmação que eu quis calcar. A de que o desenho, a gravura e a pintura vão perdurar sempre enquanto linguagem.
Aloysio Zaluar realiza um trabalho de fora para dentro, inserindo fatos e manipulando-os no circuito de arte de que faz parte. Na sua continuidade, elaborou um panfleto simples, bem coloquial, economicamente ao seu alcance e distribuiu na Zona Sul, nos bares, galerias, enviou a críticos, artistas, etc... Tratava-se de um panfleto anônimo com a figura do Clóvis com a máscara da morte e ao lado uma foto sua, fantasiado de Rei Momo, em baixo escreveu: “O Clóvis vem aí”. A partir desse panfleto a indagação, o questionamento lançado pelo artista, a motivação para sua individual na Galeria CEZA ARCHÉ, em Ipanema – 1976 - , e as informações que passava a receber do público em função de sua obra, para tal endereçou-me a seguinte carta:



Publicado no Jornal de Ipanema
Foto final do meu amigo, cirurgião plastico, Osmane Ramos

Montagem de Humor_AZ Colector: rosa, envelope, foto de AlZalu (Mariangela), concha, livro de arte e, ao fundo, pano de mesa. Cartão de Natal _ Zoação Carioca

LEBLOM 1974.




Carta aberta aos Clóvis.
Eu, Aloysio Zaluar, convido, através do crítico VICENTE DE PERCIA, das páginas deste jornal, para participarem comigo de uma grande exposição, todos aqueles que tiram uma de Clóvis.
O negócio é o seguinte: Fui convidado para participar da Bienal Latino Americana, que tem como tema “mitos e magias”, promovido pela Bienal de São Paulo. Meu assunto é o Clóvis, se você curte e tiver a fim de aproveitar a oportunidade para mostrar sua fantasia, principalmente as capas, mande uma foto e seu nome para a sala dos Clóvis.
Me comprometo em devolver o material usado após o término da exposição (janeiro). Quem quiser vender sua fantasia é questão de combinar, de qualquer modo, o nome do criador da fantasia e quem com ela brinca será revelado nesta exposição. Agora se você quiser participar é ficar na sua (to contigo e não abro).
Os interessados podem escrever para a Rua Juquiá, 80, apt. 302, Leblon, Rio. Carta com nome, endereço, telefone (se tiver). Dados que quiserem e opiniões pessoais sobre os Clóvis. Me comprometo a responder sua carta, tudo numa boa. Agradeço.
Aloysio Emilio Zaluar.

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JORNAL DO COMÉRCIO /// ///// 2° Caderno

Rio de Janeiro n Domingo, 25 de fevereiro de 1979.
Matéria de página inteira


ARTES PLÁSTICAS – WALMIR AYALA
“O CLÓVIS NA RUA”

O CLÓVIS

“O que é o Clóvis? O assunto é muito amplo. Revela a situação da comunidade local, e cada comunidade tem uma problemática. Os Clovis podem ser mais ou menos agressivos, dependendo do lugar. Não têm identidade nem sexo, podem ser crianças, velhos, mulheres, homens, o bem ou o mal. Vestidos de cetim colorido, com emblemas de lantejoulas na capa esvoaçante, batendo no chão bexigas infladas, os Clóvis entram nas casas e se revelam, em voz de falsete, conhecer intimidades dos moradores”.
Aloysio Zaluar

“A brincadeira do Clóvis é garantida pelo anonimato adquirido com a fantasia. Ao se vestirem nelas, as pessoas perdem suas identidades sociais rotineiras. Transformam-se, na verdade, em novas personagens impessoais e coletivas. Não são mais pretos, brancos, mulheres, homens, velhos, moços, são apenas Clóvis. De indivíduos passam à representação coletiva. De persona moral ou civil passam a personagem ritual coletivo. E quem é esse personagem? Ele se monta na dissimulação, no encobrir a verdadeira identidade da pessoa que veste a fantasia. O largo macacão de cetim, a capa bordada com figuras do zodíaco, botas, luvas e máscara de tela pintada demonstram zelo com que o Clóvis tenta guardar seu anonimato, nem sempre conseguido, mas sempre tentado. Brincar de Clóvis significa justamente esconder dos outros quem está ali. Revelar-se significa fracassar enquanto Clóvis. A dissimulação também está presente na voz – uma voz estridente e esganiçada – tanto quanto na fala. O Clóvis sempre procura confundir o interlocutor, jogo tanto mais difícil quanto mais próximo for este interlocutor”.
Alba Maria Zaluar



O CLÓVIS E O BERRO

Clóvis, Bate-bola, Chupetinha, nomes vários conferidos à fantasia mais comum, e a cada dia mais difundida no carnaval de rua. Ficamos com Clóvis, a mais original, uma corruptela da palavra inglesa clown (palhaço). Clóvis é também o filho espúrio do romântico Pierrô, descendente direto da folgança irreverente do palhaço, que diverte desafiando e se impondo situações ridículas. Fantasia facial, de imediata empostação, barata no contexto de um carnaval cada dia mais pobre, no qual o sujo, o Clóvis e o travesti fazem a festa. O Clóvis está aí, anônimo e mascarado, atrevido e oculto por uma máscara, com luvas para disfarçar até as mãos – cuidado de não ser identificado. Com a voz especial, e propondo sempre que possível um jogo da verdade ao interlocutor atônito e intimidado, o Clóvis tem um papel saneador, jurídico, promotor, indicador e incômodo.
Todos se atemorizam diante de um Clóvis, principalmente nas pequenas comunidades onde todos se conhecem muito bem. Estaria sob aquela máscara alguma testemunha de meu delito? Saberia ele exatamente a palavra que me faz corar ou tremer nas bases? Assim o carnaval assume seu espaço apocalíptizado, e só quem sabe brincar está imune, já que os outros, os espectadores tímidos, em sua caretice arredia, transformam-se logo em bucha para canhão dos satânicos Clóvis com suas revelações e insolências. Carnaval é, evidentemente, festa erótica e agressiva. O bom-mocismo não combina com esta festa que tem na própria denominação uma conotação carnal. Os travestis, nos quais há sempre um desabafo sexual, exageram os detalhes femininos, e oferecem impudicamente o panorama do corpo como caricatura do uso e do abuso. Mas o que cresce a cada ano é o bloco disperso dos Clóvis, como um bando de pardais de canto feio e movimento desajeitado.



UM PROJETO IDEALIZADO

Aloysio Zaluar, arista plástico, observador, pintor, fotógrafo sobretudo convivente de seu tempo e povo, desentranhou da espontaneidade do Clóvis todo um processo de análise crítica da sociedade e do homem contemporâneo. Com largueza, de ironia e sarcasmo, com triste riso, como convém. Explica ele: “Retornando dos sonhos alienados da marginalização, desconfiando e a fim de romper o sutil obstáculo imposto, já que vem de cima para baixo, voltei comunicando: “O Clóvis vem aí!”. Manifestação da grande maioria da população, que de tão ampla nos mostra que a marginalidade é a situação concreta e seu reflexo no social. Sendo assim o brasileiro é Zé Carioca, com nativos a cantar “índio quer apito”. A explosão aceita do carnaval, mostrada, festejada, aplaudida, interligando as classes sociais, liberando energia no processo de catarse, acrescentei as bexigadas desconhecidas.
Sem outros meios de organização e de manifestação, o cidadão comum aproveita o reinado de Momo para liberar potencialidades infantis reprimidas. Transa com seu íntimo maniqueísmo tupiniquim, com seus valores, e sai por aí badernando tudo.
A população não esquece e não perdoa, a qualquer momento pode explodir. Contraditoriamente traz a repressão dentro de si, apesar da tendência para anarquista-padrão demonstrada. Se mantemos a insânia desta situação de sufoco, responde com a explosão demográfica. Quanto mais polícia mais “Clóvis” teremos. Ninguém segura e ele bate à sua porta, não importa onde esteja você, com a mágia do “berro”: me dá um dinheiro aí. À tentativa de implantação de novos modelos alienígenas, como a discoteque, responde como brucutu-antropófago, devorando tudo.
Voraz vai ao fundo do poço, retornando sem grandes modificações. Na segunda-feira, os que têm carteira assinada vão trabalhar, seguros pelo INPS, pelo Fundo de Garantia, etc. O restante, a grande maioria da saudosa maloca, sai “rolando” por aí, perseguida por fantasmas, pelo camburão, na corda bamba, a fim de “aprontar” um biscate. A confusão é geral. De caos estamos bem. Por isso a pesquisa das “artes” dos Clóvis são parecidas, enquanto manifestação, com as explosões pequeno burguesas sucedidas em redor da Bienal de São Paulo, se permitirem a comparação, as façanhas eruditas de revolta são ridículas se colocadas ao lado da performance de nosso herói anônimo. Eu, como vampiro, lúcifer trazendo luz, precisando de sangue novo, afiei meus caninos e mergulhei nas veias da sociedade, como crente que entra no céu. Pensando em encontrar no evento latino-americano solução para os meus problemas, encontrei a história e velhas historinhas, do saco sem fundo, do saco de gatos e do sapo que esguicha no olho. Magias instituídas por computador e racionalizadas pela programação, só que deu tudo errado. Entrou gato na tuba do Serafim e o resultado desta melodia? É que a Bienal ficou entregue aos ratos. Miau!”
A participação de Aloysio Zaluar na Bienal de São Paulo foi das mais instigantes. A proposta explícita no texto acima entrou agressivamente cara adentro de quem quisesse ver. Pensamos em aproveitar o nosso carnaval carioca de 1979 para instalar aqui o grande laboratório dos Clóvis, com sua denúncia e ácida alegria. Falharam as instituições, como sempre, para a realização de algo fora do circuito convencional. Por isso montam esta página com coisas e loisas a respeito.








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CONCLUSÂO_ ENTRE PARENTESES_ SEM ALTERAÇÂO FORA DO ANORMAL

http://www.youtube.com/watch?v=W2H-eJWW3ps&NR=1

http://www.youtube.com/watch?v=tRRs0u_WBwI&feature=related



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